quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Rosa de Sangue

Espalhados pelo chão os papeis cifrados, as letras tão belas das músicas que havia criado ao observá-la todos os dias no colégio.
O vidro estilhaçado da janela sobre a cama ao lado, os lenços enrolados na cabeceira.
Pelo corredor o rastejo vermelho da fuga, sobre a cômoda a faca e o revólver.
Os sonhos perdidos pelos degraus ensangüentados, enquanto na sala tocava "Nothing Else Matters".
E de fato, agora, nada mais importava, nem as aulas da faculdade, nem as provas nem as notas.
Os acordes mal feitos, as letras rabiscadas, mas nada importava.
Morava sozinho, em uma casa dúplex, 2 quartos, 1 suíte, área de serviço, copa e cozinha separados, sala de estar e visita distintas, escritório e biblioteca.
Era uma boa casa, um antigo casarão reformado por dentro, mas mantendo boa parte do seu estilo colonial europeu.
Pela casa fotos de quando criança no parque, adolescente no futebol, e agora jovem com os amigos da sinuca.
Mas algo era especial ali. Se destacava do visual comum de casa de jovens, ele era maduro, aquela era uma casa de um adulto.
Por cima da lareira da sala de estar, um quadro pintado por ele, do anjo que ele considerava sê-la.
A bela menina de cabelos cacheados, tão pretos quando a escuridão e tão suaves quanto a noite, de pele rosada pelo frio das montanhas, de olhos castanhos misteriosos.
No quadro ela parecia flutuar com seu sorriso inocente e seu olhar sedutor, com seus cabelos ao vento e seu vestido a balançar.
Ele contemplava o quadro deitado em seu leito vermelho, parecia Ter uma visão, talvez o considerasse assim.
Ele via-a dançar diante de si, a balançar um xale branco, com seu vestido de alcinha branco rendado, manchado de vermelho.
Um vermelho forte, fresco, que parecia fazer um desenho sobre o tecido de algodão tão bem trabalhado.
Ela rodava e ria, sorria como um anjo satisfeito, balançava o xale como asas e parecia voar, ele de fato imaginou que fosse um anjo.
A música parou de tocar, ela foi até o aparelho e trocou o Cd, agora ela ouvia "Iris" de Goo Goo Dolls.
Se aproximou dele, segurando em seu rosto com as duas mãos o levando tão próximo a sua boca.
- Você seria capaz de desistir da eternidade pra me tocar somente uma vez?!
Ele tentou balbuciar algumas palavras, engasgando em seu próprio sangue em sua garganta.
Seu olhar parecia inerte na presença fantasmagórica de sua musa.
- Você desistiria da eternidade pra me tocar somente uma vez?
Ela repetiu a pergunta, ele engoliu e respondeu.
- Desistiria de tudo...
Ela sorriu, soltou-o e voltou a dançar ao embalo da música.
Ele perdia os sentidos aos poucos, pensava lerdo, já estava desfalecendo, ela se aproximou outra vez.
- Você está morrendo. Tsctsctsc tadinho.... Está sangrando desde do seu quarto quando disse que morreria por um beijo meu... - ela então o beijou, com seus lábios frios e se alimentou de seu sangue ainda quente, em um beijo profundo e extasiante.
- E então?! Ainda morreria por um beijo meu?! Lhe dei o beijo...
Ele olhou-a com ternura, já não sentia mas seu corpo, mas pode sentir o beijo dela.
Ele sorriu e balançou a cabeça positivamente.
Ela parou por alguns instantes, ouvindo a música de fundo.
- Me deu a tua vida por um simples beijo mortal, por teu amor e tua fidelidade á mim, lhe darei um beijo que carregará por toda tua eternidade.
Ele já não podia mais ouvi-la.
Ela cortou o pulso com os dentes, e deu de beber ao seu admirador, que o sugou com ânsia e paixão.
Quando tudo estava terminado, ela o observava morrer mas uma vez diante dela.
Aos poucos ele recobra a consciência e as forças.
Seus pulsos cortados não deixaram marcas.
Ele olha ao redor, sangue e destruição em todos os lugares.
Discos e CDs quebrados e espelhados, uma trilha vermelha pelo carpete bege da escada, cortinas rasgadas, marcas por todos os lados.
- Deus, o que houve aqui?!
Ele sobe as escadas, vê a destruição em seu quarto, suas cifras, suas músicas, seu sangue, vidros, marcas de luta.
Seu violão sobre a cama desfeita, sobre ele uma carta:

"Sei que escreverá de mim, e sei que tudo não passa de ilusão. Aprenda hoje, meu caro, nada é real. Em meus braços repousaste esta noite, e nos braços da noite caçarás daqui pra frente. Não há luz, não há sol, não há salvação. Você desistiria da eternidade para me tocar, mas ao tocá-lo dei-te a minha"

Seus olhos encheram de lágrimas, era lúgubre mais magnífico.
Coçou a cabeça, tentou entender sua fome e nada pra comer, tentou entender seus delírios dessa noite, imaginou como arrumaria aquela bagunça, mas nada fez a respeito, somente desceu as escadas e sentou no sofá segurando seu violão ao lado e a carta junto dele.
- Acho que preciso voltar a fumar ou beber, acho que a sóbrio vejo mais ilusões do que dopado.
Desviou o olhar para o quadro de sua musa, seu anjo sombrio.
Ela parecia sorrir maliciosamente agora, e ele podia notar presas no lugar dos caninos.
Seu olhar não era mais tão misterioso, era sinistro, macabro.
Era engraçado como ele via as coisas diferentes agora, como se seu delírio houvesse retirado todas as máscaras do mundo.
Sobre a lareira embaixo do quadro uma rosa que brilhava estranhamente.
Ele se levantou calmamente, foi até ela e reparou que a flor feita de vidro era vermelha por sangue, um cheiro forte e adocicado, de gosto agridoce.
Escrito com sangue no cantinho do quadro, sobre o vestido branco :

"Beijei-te com o beijo de minha alma, e através dela fiz de ti parte de minha imortalidade"

Ele lambeu a rosa, sentiu o gosto do sangue dela e sorriu, sentou no sofá, ligou o gravador do rádio e começou a tocar sua nova canção......

"... E como anjo dançou sobre pétalas de sangue. No teu beijo imortal, na ilusão eufórica do transe. Nos teus braços repousando, sobre a noite amargurando, fazer parte de sua imortalidade. Minha tão doce e suave Rosa de Sangue..."
2002

Um comentário:

Anônimo disse...

nossa leand, esse foi um espetacular conto! sabe? daqueles que nos inspiram a escrever mais! (isso vale até pra mim que li!) ... e eu não posso deixar de perguntar. essa musica final já existe? se não... eu te mando "meu mp3 depois" rs...

mandou muito bem nessa postagem.

e eu continuo te devendo um banner! eu não esqueci...

e tenho um convitinho pra vc querida. passa nomeu blog, que tem alguns selos de recomendação pra seu blog!!!

um grande bjo!

[dica, acho que estou começando a pegar a sua perspectiva sobre vampiros.. apernas responda: vc conhece os toreadores? não? dá uma olhadinnha depois!]

bjo!