terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Caminho

Minhas palavras passam despercebidas como se eu não existisse.
As pessoas vivem suas vidas sem a necessidade de minha presença.
Meus sorrisos já não encantam nem iludem ninguém.
Tão despercebida que minhas máscaras não são mais necessárias.
Às vezes desejo morrer.
Perder esse dom que assemelha a uma maldição.
Às vezes desejo desesperadamente viver para provar o contrário.
Mas no final, apenas observo os outros viverem.
Não existe mais nada que seja forte e verdadeiro o suficiente.
Os olhares, os desejos, as vontades, os sentimentos.
Tudo é tão efêmero em minhas mãos que me dá medo.
Como as areias que escorrem quando se tenta pegá-las.
Não sei o que desejar.
Não sei se devo lutar por algo que me cortará novamente.
A lua alta no céu sem estrelas não parece tão solitária quanto me sinto.
O vazio que nunca me abandona.
A esperança que sempre morre cedo demais.
O amor que eu não mais acredito.
Os pés que caminham pelo caminho sem se importar com o final.
O coração que já não tem mais força nem vontade.
Minha alma clama pelo descanso.
A recompensa pelas vidas que já passaram e pude testemunhar.
Talvez seja apenas a solidão.
Talvez sejam as feridas mal cicatrizadas.
Talvez seja a descrença no poder dos que possuem asas.
Talvez seja apenas o fato de que não consigo mais me lembrar quem eu sou.
No caminho que a vida me guiou a trilhar o destino é incerto e escuro.
Não há luz no fim do túnel, apenas as contas para acertar.
Se já fui guerreira de fato algum dia hoje eu peço perdão.
Pois nem a espada eu sou mais capaz de empunhar.
Desejo apenas que tudo o que precisa ser feito termine.
E que de algum modo eu encontre paz.

domingo, 21 de dezembro de 2008

ANJO TEMPESTUOSO

Ele a olhou.
Sabia que seria complicado, mas deixou.
A vida pareceu Ter outro sentido depois que ela apareceu.
Era estranho.
Um lindo anjo tempestuoso.
Carregava a suavidade dos sonhos e ao mesmo tempo, a agressividade de tempestades e relâmpagos.
Era instável e feroz.
Teu olhar sereno e misterioso.
O que se poderia esperar dela se não amor e paz?
Mas suas asas tão manchadas de sangues e batalhas, jamais traria a alguém uma paz tão desejada.
Sua missão sempre fora ensinar através da espada e não saberia fazer diferente.
Com seu sorriso inocente, seu olhar malicioso...
Era complicado entendê-la e tão fácil amá-la.
Mas também, era fácil ferir-se em seus espinhos, esbarrar em seu passado ou mexer em antigas feridas mal cicatrizadas.
Ela sempre será um segredo, um enigma, um desejo.
Algo a ser descoberto, desvendado e domado.
Mas acho que ninguém no mundo conseguiria tal proeza, pois seu espírito é selvagem como os ventos que de brisa se tornam tempestades.
Mesmo assim, ele a olhou mais uma vez.
Sabia que dificilmente conseguiria, mas deixou assim estar e assim acontecer.
Depois de anos a sua volta, percebeu que não adiantaria questionar.
Ela sempre viu além de seus olhos e embora ele pudesse compreender e aceitar, não podia sentir ou acreditar.
Tantas e tantas vezes ela avisou, que aquele que olha muito tempo o abismo, passa a ser olhado por ele.
E ela era o abismo.
Aonde tudo começa e termina, onde a dor se propaga ou cessa.
Era a saída ou a chegada.
O bem ou o mal, dependia sempre de quem e como a olhavam.
Um anjo de roupas pretas, olhos distantes, coração machucado e asas manchadas, mas como negar que ela era ainda um anjo?
Com seu amor, seu afeto.
Sua proteção, suas orações, seus carinhos.
Ela sempre estaria ali, vagando pelas ruas desertas de seu destino.
Em algum lugar da noite perdida em seus devaneios.
Ele a olhou mais uma vez, seu delicioso vestido preto colado ao corpo, seus ondulados cabelos vermelhos, seu olhar perdido no vento.
Sabia que seria complicado, que lhe rasgaria a alma deixá-la partir, beijar outras bocas, provar de outros sangues, alimentar-se de outras almas, proteger outros perdidos, seguir seu destino sem ele.
Muito tempo atrás, na noite em que atendendo á sua súplica, sorveu seu líquido vital e lhe deu em troca uma visão do mundo, ela lhe disse:

- Na noite, onde criaturas como nós vagamos a procura de satisfazer aquilo que almejamos, seja saciar a Besta ou ceder á Fome, nada nos pertence. Nem nós mesmos. Aprenderá um dia que aquilo que mais amamos sempre será aquilo que perderemos primeiro e que depois que se chega onde estamos, não adianta suplicar, pois não haverá morte ou paz somente poeira ao vento quando o sol amanhecer. Embora a dor e o sangue que me delicio a beber, ainda tenho asas e ainda preciso cumprir o que vim fazer. Nunca serei livre, mas você sempre será. Ás vezes o pássaro dentro da gaiola será mais feliz do que aquele que pode voar.

Ele a olhou, uma última vez, viu suas asas rubras e sua luz pálida.
Ela podia ir para onde quisesse, tinha poder para isso, mas entendeu que o pássaro dentro da gaiola era ele.
E aquele que parecia poder voar jamais seria livre.
Sorriu...
Ele a olhou, sabia que seria complicado, mas finalmente, a deixou partir.

2004

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Uma Lenda... Shaynara

O doce paladar do vinho para sempre.
A cor tão inebriante nos lábios..
O vento selvagem nos cabelos.
Na voz, angelitude.
Nos olhos a sutil melancolia.
No livro a história.
Nas páginas, sangue e glórias.
Marcas de batalhas.
Lembranças de caçadas.
Na pele o perfume dos séculos.
Nos gestos a delicadeza de uma guerreira.
Tão doce paladar seria!
Um legado, uma profecia, anjos decaídos.
Batalhas sangrentas, um destino indefinido.
Sedução, malícia, amor.
No coração uma alma.
Nas mãos garras, na boca presas, no rosto lágrimas.
Um véu preto jogado, no chão cristais despedaçados.
No dedo uma aliança, no cordão um pingente prateado.
Nos becos de Londres, sangue e corpos deixados.
Lutas impossíveis, magia, espadas, ciúmes, irrealidade permitida.
Uma história, uma cina, um legado, uma eternidade, uma vida.
Vento frio, calor humano, olhos cinzas.
Espadas, abismos, armadilhas, espelhos, livros, profecias.
Generais, soldados, dois lados e uma vampira.
Séculos em batalhas, guerras, lutas e sangrias.
Perdas, fugas, buscas, encontros e despedidas.
Lutar por tudo, decidir ficar ou fugir, em seu peito a dor sombria.
Arriscar seu amor, sua vida, aqueles tão doces olhos cinzas.
No sangue derramado, no rubro de seus cabelos, no tom doce de seus lábios.
Generais, anjos perdidos, iluminados e decaídos.
No livro a história.
Nas páginas, sangue e glórias.
Nas mãos garras, na boca presas, no rosto lágrimas.
Uma história, uma cina, um legado, uma eternidade, uma vida.
No chão uma espada, uma partida, um castigo, uma despedida.
Para os guerreiros que sobreviveram, alma.
E finalmente.
Anistia.
2004

domingo, 23 de novembro de 2008

Cordeirinhos

O corpo que eu desejo é branco.
Possui a pele tenra da juventude.
Os lábios que almejo estampam um sorriso debochado e irônico.
“Eu posso tudo”, é o que está escrito em suas entrelinhas.
Aquele que aspira as estrelas e que olha somente para frente.
Sem se importar onde pisa.
Sem pedir perdão.
Justifica suas faltas com desculpas esfarrapadas e meios sorrisos falsos.
Ele pode.
Em sua beleza rude, seu olhar determinado e seu espírito voraz.
Tão anjo quanto demônio.
Pobres ovelhinhas que não enxergam sua alma.
Doces sorrisos, olhares perdidos, carinhos, jeito desprotegido.
Como um predador que encurrala a presa sem que ela perceba.
A aranha negra que tece a teia em silêncio e calmamente espera.
Ah! Se pudessem ver o que eu vejo!
O caçador faminto! O desejo por mais! O orgulho! A soberba! A soberania!
Menospreza a presa, humilha-a em segredo, envaide-se com seu sofrimento.
Sim!
É belo, jovem e branco o corpo que desejo.
Os lábios são debochados e ludibriosos.
O ser é mesquinho, cínico e ganancioso.
Mas é esse espírito voraz que deseja devorar o mundo a sua volta que me encanta.
Que não dá valor aos pobres que lhe cultuam.
É esse ser por trás da máscara que eu almejo.
Porque mais delicioso do que a presa encurralada e indefesa, é o carnívoro que a espreita.
Aqueles que desejam o poder como ele, sempre desejarão os mais poderosos.
Sim... porque enquanto despreza os cordeirinhos esquece-se que existem outros lobos maus à sua volta.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A chama que se extingue

Vivendo séculos através das sombras, vendo o tempo passar por meus olhos e nunca me levando consigo.
Se algo mais importa eu desconheço.
No caminho ao qual me entreguei na luxúria de uma noite banhada em sangue, não existe mais nada.
O amor que vivi.
A família que tive.
O palacete onde morava.
As luzes de vela que me encantavam.
O imortal que me abraçou.
De tudo isso somente as cinzas espalhadas ao vento restou.
A fascinação da sedução da caçada, o gosto agridoce carregado de adrenalina, o calor do corpo em meus braços, as batidas do coração, a respiração que falha, nada mais disso me cativa.
Nem a Sede ou a Fome.
A Loucura ou o Devaneio.
Nem a Humanidade que grita em meu peito.
Para esse ser que almeja a lua, não existe mais nada.
Nada mais importa.
Pergunto-me a cada vítima se alguma delas pode me devolver á vida.
Ou entregar-me deliciosamente à morte.

sábado, 25 de outubro de 2008

Saliva, suor e sangue

Sim, aqueles olhos ainda me espreitam da escuridão.
Aquele aroma adocicado que preenchia todo o quarto.
As mãos grandes que prendiam meus braços.
A língua grossa que percorria minha carne.
A batida forte do coração em seu peito.
A ânsia, a angústia, a dor, o desespero, o prazer.
Aquela boca que vasculhava incessante o meu corpo.
O peso do peitoral definido pressionado sobre meus seios.
A força do corpo contra o meu.
O calor, o suor, o gemido, a saliva, a lágrima.
A voz rouca em meu ouvido.
Por fim, o mesmo sempre beijo selvagem e forte.
Os dentes arranhando o queixo e as unhas minhas costas.
A fincada cálida em seu ombro esquerdo.
O líquido vermelho grosso agridoce me invadindo.
O branco derramado.
O êxtase da caçada terminada em meus poros.
O exuberante corpo estendido exausto diante de mim.
Logo depois o sol nasceria e eu estaria longe dali.
Sim, aquele corpo me pertencia até que o tempo o tomou pra si.

L. Angelis